O Cálice da Salvação

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calicePergunta: O Salmo 116:13 diz: “Tomarei o cálice da salvação, e invocarei o nome do Senhor.” O que isso significa?

Essa é uma ótima pergunta, inclusive porque o texto desse salmo é recitado frequentemente em diversas tradições litúrgicas judaicas.

 

I  – Corrigindo um Erro de Tradução

A primeira coisa que é preciso entender é o que o texto diz. No hebraico, temos:

כּוֹס-יְשׁוּעוֹת אֶשָּׂא וּבְשֵׁם יהוה אֶקְרָא

O texto hebraico diz אֶשָּׂא ‘essá’, que significa levantar, erguer. Observe exemplo de uso:

“Porque levantarei [אֶשָּׂא – essá] a minha mão aos céus, e direi: Eu vivo para sempre.” (Devarim/Deuteronômio 32:40)

Ou seja, “tomarei o cálice” é um erro de tradução. O correto é: “Erguerei o cálice da salvação.”

Lembrando que a palavra cálice (no hebraico כּוֹס – kos) é simplesmente uma taça. Não tem nenhum sentido especial em si mesmo.

Portanto, o correto seria: Erguerei o cálice da salvação. E o Nome do Eterno invocarei.

Isso será importante para entender melhor o contexto.

 

II – A que ‘salvação’ o salmista se refere?

Primeiro, vamos definir: Que salvação é essa que o salmista comemora? Observe:

“Os cordéis da morte me cercaram, e angústias da sepultura se apoderaram de mim; encontrei aperto e tristeza… Porque tu livraste a minha alma da morte, os meus olhos das lágrimas, e os meus pés da queda… Dizia na minha pressa: Todos os homens são mentirosos.” (Tehilim/Salmos 116:3,8,11)

Ele estava muito aflito (Sl. 116:10) porque passou perigo de vida e quase morreu (Sl. 116:3,8) devido a ter sofrido algum tipo de traição por parte de homens mentirosos (Sl. 116:11)

Ou seja, a salvação aqui, como em todos os outros exemplos do Tanakh, foi um livramento de perigo. Não tem conotação espiritual.

 

III – O Salmista quer retribuir

Agora observe:

“Que darei eu a ADONAY, por todos os benefícios que me tem feito? Erguerei o cálice da salvação, e invocarei o nome de ADONAY. Pagarei os meus votos a ADONAY, agora, na presença de todo o seu povo… Nos átrios da Casa de ADONAY, no meio de ti, ó Yerushalayim. Halelu-Yah.” (Tehilim/Salmos 116:12-14,19)

O salmista está se indagando: Como posso retribuir ao Eterno por ter me livrado? (Sl. 116:12)

Ele lista várias coisas que ele vai fazer:

a) Pagar votos que fez – provavelmente ele fez algum voto de que se o Eterno o libertasse do perigo, ele iria dar alguma oferta ao Templo; (Sl. 116:14)

b) Além dos votos, ele também iria oferecer sacrifícios de louvor, feitos voluntariamente, na frente de todo o povo, no Templo (Sl. 116:18,19)

c) Ele iria ‘erguer o cálice da salvação’.

 

III – Erguer o Cálice: O que significa isso?

Vinho, na cultura judaica, indica alegria. Observe:

“E aquele dinheiro darás por tudo o que deseja a tua alma, por vacas, e por ovelhas, e por vinho, e por bebida forte, e por tudo o que te pedir a tua alma; come-o ali perante ADONAY teu Elohim, e alegra-te, tu e a tua casa.” (Devarim/Deuteronômio 14:26)

Nos feriados judaicos, muitos dos quais celebram justamente libertação do perigo ou da opressão, temos a seguinte halakhá:

“[Nas datas festivas], homens devem comer carne e beber vinho, pois não há felicidade sem partilhar da carne, nem felicidade sem partilhar do vinho.” (Mishnê Torá – Sefer Zemanim – Shebhitat Yom Tobh 6:18)

Vinho, carne, etc. na realidade são elementos simbólicos de um banquete.

E até os dias de hoje, o povo judeu tem por hábito fazer banquetes (algo que o vinho representa) para comemorar livramentos. A maioria das festividades no calendário judeu são justamente isso.

O vinho, mesmo dentro da liturgia do Judaísmo, tem essa uma conotação de alegria, comemoração. Tanto que é usado no Pessah (Páscoa de Cencenhas), por exemplo, justamente para isso: Para comemorar o livramento da mão dos egípcios.

É comum na liturgia judaica erguermos nossos cálices quando recitamos uma bênção ao Eterno, geralmente em agradecimento.

É exatamente isso que o salmista diz que ele iria fazer!

Ele iria fazer um banquete ou refeição festiva para comemorar o livramento dos inimigos, pois ele quase morreu e o Eterno o salvou, e ele então iria agradecer publicamente ao Eterno, bendizendo o seu nome ao erguer o cálice.

 

VI – Conclusão

Observa-se, portanto, que esse texto indica o seguinte: O salmista estava angustiado, fez votos pro Eterno pedindo livramento, e o Eterno o atendeu. Ele então iria, além de pagar os votos ao Eterno, comemorar com um banquete, e com ofertas voluntárias ao Eterno.

“Erguerei o cálice da salvação, e invocarei o nome de ADONAY” (Tehilim/Salmos 116:13)

Isso nada mais significa do que o fato de que o salmista, nesse banquete que daria, ergueria o cálice bendizendo o Nome do Eterno por aquele momento de alegria.

Invocar o Nome do Eterno indica que Ele reconhecia e dava créditos ao Criador por tudo que havia feito.

Qual seria um equivalente disso na nossa cultura ocidental? Uma pessoa poderia dar uma festa e fazer um brinde e um pequeno discurso de agradecimento ao Eterno, pelo que Ele fez.

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