O que diz a Bíblia Hebraica sobre bebidas alcoólicas?
Antes de mais nada, é importante ressaltar que o autor desta resposta não gosta do sabor das bebidas alcoólicas, detesta o gosto de cerveja, whisky e outros, e dificilmente consegue ingerir mais do que alguns dedos de qualquer bebida, por mais fraca que seja. Além disso, como psicanalista, conhece os poderes destrutivos do álcool sobre os lares de pessoas alcoólatras. Portanto, o autor desta resposta não tem nenhuma razão especial para defender o consumo do álcool. Dito isto, vamos à resposta, do ponto de vista das Escrituras.
Muitas religiões entendem que abster-se de bebidas alcoólicas seja uma grande virtude, e frequentemente membros que ingerem álcool são considerados pecadores.
Na Bíblia Hebraica, contudo, a questão é muito diferente.
O álcool, nas Escrituras, não apenas não é mal visto, como é ainda utilizado em diversas cerimônias importantes.
Uso Cerimonial
Por exemplo, algumas ofertas no Templo eram oferecidas acompanhadas de libação de vinho, inclusive nas ofertas diárias:
“Isto, pois, é o que oferecereis sobre o altar: dois cordeiros de um ano, cada dia, continuamente. Um cordeiro oferecerás pela manhã, e o outro cordeiro oferecerás à tarde. Com um cordeiro a décima parte de flor de farinha, misturada com a quarta parte de um him de azeite batido, e para libação a quarta parte de um him de vinho.” (Shemot/Êxodo 29:38-40)
Bebidas alcoólicas não podiam faltar nas Haguim, isto é, nas três principais festas de peregrinação, pois estavam associadas com o deleitar-se na presença do Eterno.
E, para choque de muitos, comprar bebidas alcoólicas era uma das coisas que um israelita poderia fazer com os dízimos:
“E, perante YHWH teu Elohim, no lugar que escolher para ali fazer habitar o seu nome, comerás os dízimos do teu grão, do teu vinho novo e do teu azeite, e os primogênitos das tuas vacas e das tuas ovelhas; para que aprendas a temer a YHWH teu Elohim todos os dias. E quando o caminho te for tão comprido que os não possas levar, por estar longe de ti o lugar que escolher YHWH teu Elohim para ali pôr o seu nome, quando YHWH teu Elohim te tiver abençoado; Então vende-os, e ata o dinheiro na tua mão, e vai ao lugar que escolher YHWH teu Elohim; E aquele dinheiro darás por tudo o que deseja a tua alma, por vacas, e por ovelhas, e por vinho, e por bebida forte, e por tudo o que te pedir a tua alma; come-o ali perante YHWH teu Elohim, e alegra-te, tu e a tua casa.” (Devarim/Deuteronômio 14:23-26)
Nas festas de peregrinação, é esperado e recomendado pela própria Torah que os israelitas se deleitem, em bebidas inclusive, na presença do Criador.
O Álcool é Bênção
Em uma região onde as uvas eram parte importante da agricultura local, ter bastante vinho era considerado uma bênção na vida de qualquer pessoa. Um justo era agraciado com muito álcool:
“Assim, pois, te dê Elohim do orvalho dos céus, e das gorduras da terra, e abundância de trigo e de vinho novo.” (Bereshit/Gênesis 27:28)
“Honra o YHWH com teus haveres, e com as primícias de todas as tuas colheitas. Então, teus celeiros se abarrotarão de trigo e teus lagares transbordarão de vinho novo.” (Mishlê/Provérbios 3:9-10)
Vinhos e bebidas alcoólicas em geral eram totalmente aceitas e bastante corriqueiras, do ponto de vista social, fazendo parte até mesmo de refeições comuns.
Encontrar pessoas andando pelo caminho e portando jarros e vasos com bebidas, em especial o vinho, era algo também comum e trivial. Seria muito estranho que alguém fosse julgado negativamente caso fosse visto nessa situação.
“E passando Dawid um pouco mais adiante do cume, eis que Siva, o servo de Mefiboshet, veio encontrar-se com ele, com um par de jumentos albardados, e sobre eles duzentos pães, com cem cachos de passas, e cem de frutas de verão e um odre de vinho. E disse o rei a Siva: Que pretendes com isto? E disse Siva: Os jumentos são para a casa do rei, para se montarem neles; e o pão e as frutas de verão para comerem os moços; e o vinho para beberem os cansados no deserto.” (Shemuel Bet/2 Samuel 16:1-2)
O Álcool é Recomendado
Em alguns casos, a Bíblia Hebraica chega a prescrever vinho e bebida forte. Por exemplo, enquanto para alguns grupos uma pessoa entristecida que bebe é vista com maus olhos, na Bíblia Hebraica isso é recomendado:
“Dai a bebida forte àquele que desfalece e o vinho àquele que tem amargura no coração: que ele beba e esquecerá sua miséria e já não se lembrará de suas mágoas.” (Mishlê/Provérbios 31:6-7)
Pelo contrário, a ausência de bebidas alcoólicas era tida como uma maldição ao povo:
“Não te alegres, Israel! Não exultes como os pagãos! Porque te prostituíste, afastando-te de teu Elohim. E amaste o salário impuro em todas as eiras de trigo. A eira e o lagar não os alimentarão, e o vinho novo lhes faltará.” (Hoshe’a/Oséias 9:1-2)
Alcoolismo e Bebedeira são Maldição
Mas, existe uma contra-partida.
A Bíblia Hebraica recomenda o vinho, e a bebida, especialmente em situações de alegria. Mas, também alerta contra a bebedeira, e contra o alcoolismo.
“O que ama os prazeres padecerá necessidade; o que ama o vinho e o azeite nunca enriquecerá.” (Mishlê/Provérbios 21:17)
“Não estejas entre os beberrões de vinho, nem entre os comilões de carne. Porque o beberrão e o comilão acabarão na pobreza; e a sonolência os faz vestir-se de trapos.” (Mishlê/Provérbios 23:20-21)
As Escrituras Hebraicas não medem palavras para falar do poder destruidor do álcool consumido em excesso.
Evidentemente que o uso do álcool deve ser feito moderadamente. Se a pessoa não consegue fazê-lo, o melhor é se abster. Pois o consumo em excesso é destruidor.
Moderação Sempre
Observe, contudo, que a recomendação da Bíblia Hebraica quanto à moderação é geral. Uma pessoa que come excessivamente tem comportamento tão ruim quanto aquele que bebe em excesso.
A ruína espera aquele que não bebe com moderação, ou que se entrega ao alcoolismo. Mas, isso não significa que a bebida em si seja ruim. O que é ruim, é a falta de auto-controle do ser humano.
Até o excesso de bondade, ou de intelectualidade – que geralmente são virtudes – são condenados pela Bíblia Hebraica, pois também podem trazer problemas:
“Não sejas justo excessivamente, nem sábio além da medida. Por que te tornarias estúpido?” (Qohelet/Eclesiastes 7:16)
Quando a Bebida é Inadequada
Além disso, existem certas funções que, pela Bíblia Hebraica, são incompatíveis com a bebida. Por exemplo, um rei não deve ser alguém que beba muito:
“Não é próprio dos reis, ó Lemuel, não é próprio dos reis beber vinho, nem dos príncipes o desejar bebida forte; Para que bebendo, se esqueçam da lei, e pervertam o direito de todos os aflitos.” (Mishlê/Provérbios 31:4-5)
Há dois casos em especial na Bíblia Hebraica onde o beber é expressamente proibido. São eles os kohanim (sacerdotes) quando no exercício de sua função:
“Não bebereis vinho nem bebida forte, nem tu nem teus filhos contigo, quando entrardes na tenda da congregação, para que não morrais; estatuto perpétuo será isso entre as vossas gerações.” (Wayiqra/Levítico 10:9)
E também aquele que fez voto de nazir (nazireu). Este não deve consumir nem mesmo uvas:
“Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: Quando um homem ou mulher se tiver separado, fazendo voto de nazir, para se separar a YHWH, De vinho e de bebida forte se apartará; vinagre de vinho, nem vinagre de bebida forte não beberá; nem beberá alguma beberagem de uvas; nem uvas frescas nem secas comerá.” (Bamidbar/Números 6:2-3)
Vale ressaltar que o vinho e a bebida forte são frequentemente usados como sinônimo de alegria na Bíblia Hebraica, e por isso não podem faltar à mesa do judeu que os aprecia.
“Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe com coração contente o teu vinho, pois já Elohim se agrada das tuas obras.” (Qohelet/Eclesiastes 9:7)
Não à toa, nas mais variadas cerimônias judaicas, tais como o Qidush e a Havdalah, encontramos a seguinte bênção:
Bendito sejas Tu, Eterno, nosso Elohim, Rei do Universo, que criaste o fruto da videira.
Ou seja, quando a pergunta é: O que a Bíblia Hebraica diz sobre bebida alcoólica, não seria exagero sintetizar a resposta em: Aprecie com moderação.